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'Depois dos 18 anos, parece que ficamos invisíveis': autistas adultos relatam desafios em busca da inclusão



No mês de conscientização sobre o autismo, o g1 ouviu relatos de adultos com autismo, sobre a busca por qualidade de vida e os desafios para quebrar preconceitos. Larissa Schuermann, Rodrigo Cesar e Bianca Montemor são adultos com autismo. Arquivo Pessoal Comumente associado às crianças, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido pela Organização Mundial da saúde (OMS) como uma condição do neurodesenvolvimento que afeta as habilidades de comunicação social e os padrões de comportamento. No mês de conscientização sobre o autismo, o g1 reuniu depoimentos de moradores do interior de São Paulo que falaram sobre os desafios de viver no espectro na fase adulta, em busca de qualidade de vida, respeito e de quebrar os preconceitos para de fato viveram a inclusão. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Vale do Paraíba e região no WhatsApp Os relatos ouvidos pela reportagem são unânimes de que o tema ‘autismo em adultos’ acaba sendo esquecido e até mesmo negligenciado se comparado ao autismo em crianças. É comum ouvir em mães de autistas buscando políticas de inclusão para seus filhos nas escolas, em parques e meios infantis, mas dificilmente se escuta sobre a luta dos próprios autistas depois que deixam de ser crianças. ‘Não acredito nesse mundo inclusivo, é muito utópico’ Larissa Schuermann Rodrigues de Morais – Jacareí Arquivo Pessoal Larissa Schuermann Rodrigues de Morais, moradora de Jacareí, tem 35 anos, e teve seu diagnóstico recentemente, junto do diagnóstico de seu filho, Davi, de 7 anos, que assim como a mãe, se encaixa no Transtorno do Espectro Autista (TEA). Larissa conta que sua maior dificuldade em ser autista e mãe de um garoto também no espectro é em entrar em um consenso com o filho. “Minha maior dificuldade é que tenho uma rigidez cognitiva bem forte e Davi e eu somos opostos em alguns pontos: ele não liga pra som e eu me irrito até com o som do celular, eu assisto TV no volume 5 por exemplo e ele no 20! Tenho seletividade alimentar e é difícil ser exemplo para as crianças nesse ponto, principalmente o Davi que também tem seletividade”, conta. Larissa Schuermann Rodrigues de Morais – Jacareí Acervo pessoal Além das dificuldades com a maternidade, Larissa sofreu com a falta de seu diagnóstico durante a adolescência, descrevendo o período escolar como uma “tortura do começo ao fim”, e ela percebe a mesma dificuldade no filho. “Infelizmente as escolas não estão preparadas para dar o suporte necessário que autistas precisam, além de serem lugares de múltiplos estímulos. Isso gerou certo trauma e penso em fazer faculdade de pedagogia, que é um tema que eu adoro, mas vou buscar fazer assim que o Davi ficar maior”, disse. Atualmente Larissa trabalha como freelancer (autônoma) na pizzaria da sogra, onde relata ser um ambiente familiar, o que é fundamental para ela. Quando mais nova, Larissa tentou trabalhar em outros lugares, o que não conseguiu pelos reflexos de seus estímulos, e cobranças, o que prejudicaram sua saúde, que mesmo tomando medicação cara em altas dosagens, Larissa continuava tendo crises epiléticas. “Infelizmente não acredito nesse mundo inclusivo, é muito utópico. Mas, acredito que com as condições necessárias, vamos fazer ele ficar mais leve e saudável para o nosso filho. Hoje em dia ainda conseguimos ver empresas e escolas que realmente pensam numa inclusão assertiva. Isso já é mais do que eu tive na idade dele e me anima, mas ainda tem muito chão pra ser o mundo que desejo pra ele”, ponderou. ‘Depois que fazemos 18 anos, parece que ficamos invisíveis…’ Rodrigo Cesar de Oliveira Lobo Arquivo pessoal Rodrigo Cesar de Oliveira Lobo, de 32 anos, é morador de Jacareí e relata o esquecimento que sente como autista adulto. “A gente não tem um acesso à saúde, acesso às terapias, muitos de nós sofremos com dificuldades em interação social, o que dificulta em coisas simples da vida. O que parece é que a gente tem que ficar em casa, calado, sem terapia, com as nossas famílias sofrendo e a gente sem voz, como se não existisse. Depois que fazemos 18 anos, parece que ficamos invisíveis”, afirmou. Para ele, nenhum médico conseguiu realizar um diagnóstico quando era criança, e a ausência de diagnóstico o fez buscar a causa de suas crises repentinas. Aos 31 anos, Rodrigo finalmente foi diagnosticado como autista de grau de suporte 1. “O diagnóstico foi importante para me compreender melhor e me cobrar menos.” Rodrigo Cesar de Oliveira Lobo – Jacareí Acervo pessoal As dificuldades que Rodrigo carrega são redobradas, por não conseguir trabalhar fora por conta de sua dificuldade em manter contato social. “Por mais que eu queira trabalhar fora, compreendo essa limitação e tento superar diariamente essas limitações”, disse. Rodrigo afirma que durante um período ficou sem conseguir pagar a terapia e ficou bastante tempo tentando pelo SUS, mas não conseguiu o acesso, o que levou a uma piora do quadro de saúde. Tecido bordado e pintado por Rodrigo para venda Acervo pessoal Apesar das dificuldades, ele trabalha em casa, com o que gosta, vendendo suas pinturas, desenhos, artesanatos e outros itens do meio artístico, mas mesmo assim precisa de ajuda, até mesmo financeiramente, por isso mora com dois amigos que contribuem com ele. “Apesar das nossas diferenças, eles tentam me acolher da melhor forma que conseguem, me deixando à vontade para eu ser como sou, com minhas estereotipias e meus hiperfocos”, declarou. ‘Eu tenho a esperança de que podemos construir um mundo melhor’ Bianca Estrela Montemor Abdalla França Camargo – Jacareí Arquivo Pessoal Bianca Estrela Montemor Abdalla França Camargo, de 19 anos, é palestrante e recebeu seu diagnóstico de nível 1 de suporte aos 14 anos de idade. Escritora, ela escreve desde os 8 anos de idade e, até o momento, tem dois livros publicados: “A Poesia Para os Poetas Mortos” e “Para Quando Eu Morrer”. Bianca mora sozinha há dois anos e é estudante do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, em Jacareí, onde cursa técnico em informática e é bolsista de pesquisa, onde realiza palestras sobre conscientização do autismo, inclusão social e capacitismo. “Eu sou autista adulta, palestro e educo sobre autismo, sobre nossas lutas e reivindicações, porque isso nunca foi só sobre mim ou as minhas vivências, tudo isso é por uma sociedade melhor, porque eu quero deixar o mundo um pouco mais bonito e com justiça social para as pessoas”, afirmou. “Eu tenho a esperança de que através da fala, da escuta, do acolhimento, nós possamos nos fortalecer e juntos, construir um mundo melhor. Compreendo que as dificuldades (sociais) que vivencio foram herdadas de um passado manicomial, violento e de perseguição a diversidade humana, e isso, infelizmente, não foi reparado ou cortado pela raiz.”, lamentou. “Vivo numa sociedade patriarcal e capacitista, e que não permite que pessoas sejam diferentes. Não há preparo para acessibilidade”, afirmou. Bianca Estrela Montemor Abdalla França Camargo – Jacareí Acervo pessoal Bianca fez um intercâmbio pelo programa humanitario Rotary Internacional para o México, onde ficou durante 3 meses. Ela foi a primeira pessoa autista que conseguiu o intercambio dentro da organização e alega que foi um passo muito importante em relação ao avanço da discussão de pessoas com deficiência nos espaços culturais, políticos e de intercâmbio. Bianca conseguiu todas suas conquistas ainda lutando contra os diversos problemas que autistas adultos passam. “Me sinto negligenciada, porque mesmo eu sendo desenvolvida verbalmente, conhecendo muitas pessoas e tendo apoio, eu ainda sinto falta de ter amigos e de mais apoio afetivo com pessoas da minha idade ou com gostos parecidos com o meu”, narrou. O quebra-cabeça foi o símbolo escolhido para a conscientização em relação ao autismo Getty Images Visão do especialista Quando o assunto é autismo, muito se fala das crianças, já que é possível identificar nesta fase os primeiros sinais e é quando se iniciam os tratamentos. Para Aretusa Cristina Pedro Rotta, Psicóloga e Neuropsicóloga especialista em ABA, um termo em inglês que se refere a Applied Behavior Analysism ou em português, Análise do Comportamento Aplicada, o que pode estar acontecendo é que mais profissionais estejam preparados para trabalhar com crianças no início da investigação e deixando de lado a fase adulta. “E eu acho que esse tipo de pensamento é causado por falta de informações, por conta de hoje o autismo ser investigado na infância. Então muitas pessoas acham que o autismo é uma condição somente infantil e a falta de informações faz com que as pessoas realmente coloquem isso como uma condição de criança”, explicou. Aretusa trabalha com o diagnóstico de adolescentes e adultos, e para ela, há o esquecimento por falta de informações sobre o assunto. “Com os autistas adultos e adolescentes, eu trabalho questões de regra, rotina, habilidades sociais, que são os maiores problemas para eles, pra manter vínculos de amizade, relacionamentos. O adulto também deve trabalhar esses temas”, contou. Caminhada pelos direitos dos autistas em Campos do Jordão Na opinião da neuropsicóloga, profissionais capacitados acompanhando as necessidades dessas pessoas, como o reforço em habilidades sociais, ajudando na organização e na disciplina, são fundamentais. “O conhecimento é fundamental para que haja mais compreensão, respeito e amor”, ponderou. Pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista), podem viver de maneira independente, trabalhando, morando sozinhas e estudando, mas isso depende do grau do autismo, que pode variar entre três níveis de suporte. O nível 1 é conhecido como autista leve, que é quando o indivíduo precisa de pouco suporte. O nível 2 é o moderado, sendo um grau de suporte necessário e razoável. Já o nível 3 é conhecido como autismo severo, onde a pessoa tem a necessidade de vários suportes. “O autismo é uma condição para a vida toda e compreender seu funcionamento em cada fase é fundamental para garantir a qualidade de vida e inclusão social deles. Creio que a falta de conscientização a falta de profissionais capacitados, falta de treinamento a prestadores de serviço que interagem com estes indivíduos e falta de oportunidade para interação como grupos e eventos dificultam o estímulo a inclusão social do autista”, avaliou. Veja mais notícias sobre o Vale do Paraíba e região bragantina

Fonte: G1


21/04/2024 – Prata FM Vale

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